segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O segredo em psicoterapia .


 


 

Pessoas procuram psicoterapia por varias razões: porque sofrem e sabem disso, porque sofrem mas sonegam a si mesmas sua dor a aí a psique trata de fazer um barulho na mente ou no corpo suficiente para requerer escuta , ou então por encaminhamento de outros profissionais. Quando o individuo deseja ajuda temos uma porta aberta: quando não, é preciso considerar as razões para tal inibição ou resistência. A alma se esconde por trás dos sofrimentos, sua historia e a repercussão sobre o físico e a vida de relação. O cuidado da pessoa com sua privacidade é um bom começo e não significa necessáriamente oposição pois pode marcar a importância que ela dá á sua interioridade. Ao contrario do que se possa imaginar , alguém que se exponha consciente ou inconscientemente "a céu aberto", esta sim pode ter sérios distúrbios.

Sabemos que segredos guardados erroneamente funcionam como venenos e a psicoterapia oferece um espaço para a pessoa deixar de estar só com seu drama ofertando um alguém em quem confiar. Mas como confiar num estranho? Que regra é essa? De onde vem e a qual modelo serve?

A psicoterapia recebe influencias do modelo médico de atuação. Em sua prática o médico além do diploma , do código de ética oferece ao seu paciente um juramento( de Hipócrates) que abrange tanto o interesse na cura quanto o sigilo sobre o que lhe é dito. Neste sentido o sigilo médico é um principio que enobrece a doença , protege a pessoa e um destino a ser respeitado. Saúde e doença como reveladores das oscilações do viver devem ficar longe de mexericos . Pacientes mostram ao médico seu corpo , aversões , hábitos e destemperos e preocupam se com a figura do médico que os ouve até mais do que com as outras pessoas que possam saber de sua mazelas.

Sigilo é importante para a individualidade e segredos compartilhados criam intimidade por isso Carl Jung apontou para a importância do terapeuta deixar de lado pressupostos intelectuais e colocar-se a serviço da investigação junto com o paciente para que este possa confessar(este é o termo) experiências das quais muitas vezes ele se envergonhe.

Uma conexão real com a pessoa do psicoterapeuta é o que o paciente espera obter e retem sua alma até que possa sentir esta qualidade de vinculo. O mistério do processo analitico é diferente do sigilo médico. Dos vários encontros, das cuidadosas conversas , da atitude do terapeuta para com o que expõe,revela e traz á luz e da atitude do paciente ao guardar para si estas experiências , ele também faz segredo . A isto chamamos de vaso fechado , onde se cosinha uma grande transformação , no escuro e no silencio da alma quando reconhecida.Não é o diploma nem o juramento que garante o vaso fechado , é a relação entre o par terapêutico, seu propósito e devotamento.

Voltarei ao assunto oportunamente.

Denise M. Molino.


 

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Excessos e Faltas


 


 

Há algo de revolucionário em tornarmos única uma experiência qualquer de um individuo ,por mais corriqueira que possa parecer , ao dar a ela um sentido. Isto é subjetivação , nascer como individuo . Mas dá um trabalho enorme pois parar para pensar , ouvir a si mesmo, viver a vida e procurar significados vai na contramão do espetáculo acelerado do momento. Se não tomarmos cuidado ficamos como bobões , no automático , meio hipnotizados pelas repetições dos fatos , por mandamentos sociais estúpidos que mesmo quando horríveis vão se tornando cotidiano.

A surpresa e a perplexidade dão lugar á banalização e de repente "...tudo tão errado que parece certo..." como na musica de Kiko Zambianque.

Um numero crescente de crianças e jovens apresentam ditas dificuldades no relacionamento com a vida escolar. Pais desesperados á procura de orientação ,lotam as agendas dos filhos com aulas extras , professores particulares ou então um analista que rápido e quase mágicamente resolva o transtorno : todos em busca do tão apregoado produto , o bom aproveitamento.Os custos educacionais são caros e o futuro,dizem , está garantido aos bem formados . Mas quem diz isso mesmo? E formados de quê? Qual é a substancia formadora de seres humanos que garanta felicidade ou coisa outra ?

A competição desde cedo é o lema , antes mesmo do comportamento solidário e companheiro se estabelecer entre iguais e diferentes , promete um lugar de destaque aos filhos de irrefletidos e desavisados pais . Pais e professores completamente rendidos ás crianças e jovens, lançam ultimatos , suas ultimas cartadas , ou ameaçam o "apocalipse" e eles "nem aì" como se diz. Nossos garotos estão desinteressados e desorientados. Grande resistência : problema do sujeito ? Só dele ? Sei não ...

Quem não anda fazendo a lição de casa direito? Se perdemos o conceito de Educação como função humanizadora atropelamos meninos e meninas .Com o foco em outro lugar (onde mesmo será?) fabricamos desentendimento , vazio , doença. Se tudo vira produto a ser consumido ou rápidamente descartado: consulta, sessão de análise, escolaridade, conhecimento ou filho , estamos longe da poderosa reflexão. Não estamos dando conta dos sintomas escolares, afetivos, físico e psicossomáticos de nossos filhos. Podemos avaliar nossos atos pelos resultados obtidos e pensar que novos problemas pedem novas soluções.

Qualquer observador atento pode sair por aí de madrugada e encontrar menores de idade á porta das "baladas" ,muitos á mercê de quem se aproprie dos seus desejos e de seus corpos, aproveitando-se da lacuna de presença na vida destes meninos e meninas. Ausencia de figuras que norteiem lazer sadio possível , boas companhias , horários plausiveis , broncas "caretas" e talvez um bom chauffer-papai ás tres horas da manhã esperando de roupão , dormindo dentro do carro á dois quarteirões da festa. O velho "Penso, logo existo" substituído pelo "Sou visto, logo existo" devagarinho nos leva a excessos de toda sorte , de violência, do desrespeito ao corpo , de drogas , do crime que vira norma.

E aí se você está triste , frustrado ou sem o sucesso do momento ? Remédio. Seu corpo dói , há formigamentos , pensa que vai morrer em cinco minutos, lhe falta o ar ? Remedio. Ou seja , você é totalmente irresponsável pelo seu sofrimento pois certamente há uma explicação ancorada na biologia para um ancestral mecanismo humano que , de repente , pára de funcionar e ninguém pergunta o porquê. Serotonina não recaptada . Menino usando drogas ? Fixação na boca .

Não lhes parece pouco? É pouco e apenas parte da questão ou das várias questões que nos afligem no momento. O desinteresse das crianças e jovens , a tristeza , o adoecer frequente ,o consumo de drogas mas também de todas as outras combinações de substancias com finalidade euforizante , a busca imediatista de satisfação a qualquer preço ou condição são símbolos de acontecimentos maiores .

O que a vida quer de nós?

Em trinta anos de pratica profissional comungo com muitos colegas analistas , médicos , pedagogos, assistentes sociais , pais e professores , sobre o uso equivocado de recursos mara vilhosos de que dispomos e da visão cristalizada de alguns que fazem do redutivismo resguardo para suas limitações. Existir é plural e pede de todos lenta paciência e cuidado , que sustentemos a duvida , pressuposto importante do cientista sempre pronto a perguntar ,desarrumando gavetas e preconceitos, inventando saídas , desmontando certezas , cuidando da vaidade, cansar da fala de papagaio e substituí-la pela conversa com o outro dentro ou fora de si mesmo, agüentar a surpresa. A palavra é gesto poderoso .


 

Denise M.Molino .


 


 

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sugiro a leitura atenta e cuidadosa da carta de James Hillman ao colega analista junguiano carioca Marcus Quintaes. Nela em tom muito pessoal Hillman discute aspectos importantes do seu pensamento sobre a alma humana e de outros pensadores contemporaneos , a respeito da psicoterapia.

(Tradução da carta de James Hillman para Marcus Quintais)


 


 

DIVERGÊNCIAS

(A propósito do Seminário Brasileiro sobre Giegerich/Hillman)


 


 

Tanto Wolfgang quanto eu, somos "filhos de Jung". Ele é nosso ponto comum de origem no contexto de seu seminário. Mas há diversos "Jung" e muitos outros filhos e filhas. Não tenho bem certeza de qual seja a passagem ou a idéia em Jung que represente o ponto de partida de Wolfgang; o meu ponto de partida está no CW/6, onde Jung escreve que a fantasia cria realidade todos os dias, e onde o termo "imagem de fantasia" não deriva, diz ele, da referência a um objeto externo, mas é mais análogo a um uso poético.


 

Em outros lugares, Jung fala sobre os complexos, que constituem a estrutura da psique e são sua fonte energética, como "Deuses". Isto me sugere que a questão toda da psique e, é claro, da psicologia também, não seja somente um tipo de mitologia, mas principalmente de que nossas vidas, tão profundamente enraizadas nos complexos, são melhor apreendidas através dos mitos, mitos definidos aqui como narrativas e/ou rituais onde humanos e Deuses interagem.


 

Sei que deveria indicar aqui as citações correspondentes, mas esta é só uma carta, e estou ficando velho...


 

Quando imagino de forma mais ampla estas idéias de Jung, quando sonho o mito adiante, como ele também disse, vou para a mitologia, para textos nos quais os Deuses aparecem e para aqueles textos que melhor apreenderam a psicologia que chamamos de mitologia, tais como em Kerenyi, Otto e Vemant, etc.

E, se levo a sério a fundamentalidade da imagem (cf. Lopez-Pedraza), devo então ir para Corbin e para Durand também, e especialmente para Bachelard, com o intuito de explorar a realidade tanto imaginal quanto psíquica, baseada na imaginação. Meu "Essay on Pan" ("Ensaio sobre Pan") do começo dos anos '70 segue esta direção.


 

Para mim, o logos da alma não é uma lógica, nem a alma em si é um logos. O logos da alma se apresenta em sua capacidade de dizer-se, de responsabilizar-se por si própria, de descrever-se, de contar sua verdade, e este logos não possui fronteiras (como Wolfgang já disse), e ele não é necessariamente só lógico ou sintáxico. Seu logos, o logos da psique, a psicologia, pode aparecer tanto através de imagens, como de pensamentos


 

Gosto da idéia de Giegerich de que psique é (também) pensamento e fazer alma é (também) pensar. Em sua resposta a Marlan (no ensaio que generosamente contribuiu (p.204) ao livro editado por Marlan em minha honra), Giegerich escreve que nos pensamos em palavras da linguagem e não em imagens. Eu diria exatamente o contrário. As palavras são elas próprias, imagens. A história da linguagem de acordo com Barfield e Vico sugere que metáforas polissêmicas e analogias poéticas dão origem a conceitos denotativos e singularidade de significado.

A linguagem não pode nunca nos libertar de sua mãe primordial, o sensorial, o natural, o físico, a implicação de uma anima mundi – uma alma no, e do mundo natural, mesmo que tal mundo natural seja sempre "não-natural". Por ela ser psique também, ela pensa e imagina e possui uma inteligibilidade própria. (Obs.: aqui eu compreendi que Hillman se refere à mãe primordial da linguagem. É isto ou estou enganada???).


 

Devemos mesmo priorizar palavra sobre imagem ou imagem sobre palavra? Entretanto, se fizermos tal movimento rumo a uma direção ou à outra, quais seriam as conseqüências? A imagem significa, em primeira instância, uma psicologia que é estética e imersa no cosmo. A palavra oferece, em primeira instância, uma psicologia "cortada", como Wolfgang diz, de toda e qualquer noção física, a não ser a mente humana (senão onde encontrar as palavras, a linguagem?), ou divina como João anuncia no Quarto Evangelho.


 

Em nossa divergência, tanto Wolfgang quanto eu, não temos escrito muito sobre terapia nos últimos tempos. Eu faço somente uma "terapia de idéias" em público (textos e conferências), não mais terapia com pessoas individuais. Acredito que ele ainda mantenha sua prática clínica. Pode parecer que eu tenha desertado a prática terapêutica. Porém, como considero que os distúrbios da emoção estão sujeitos a uma re-ordenação através da imagem (o "espectro" de Jung, CW/8), e que uma imaginação perturbada pode ser curada pelo mito, como Vico sugere, eu acredito que estou continuando a fazer terapia.


 

Uma grande divergência diz respeito a como olhamos para a história. E aqui, Marcus Quintaes, eu me dirijo tanto a você, quanto a Wolfgang. Quando se olha para o meu trabalho pelas lentes da cronologia, é então possível descobrir ali algo do início, do meio, tardio, etc. caindo assim na idéia de progresso e regresso, desenvolvimento, bem como conflitos internos entre uma assim chamada "fase" e outra, quer seja ela anterior ou posterior. Então, sempre que aparece em um texto algo diferente daquilo contido em outro texto, tenta-se conciliar este algo como retração ou correção.


 

Entretanto, se olharmos para os trabalhos escritos pelas lentes da imagem, como se fossem quadros ou peças musicais, então eles podem diferir um do outro sem a necessidade de preencher a idéia de consistência cronológica. Cada peça musical composta (digamos, por Villa-Lobos) é única e se sustenta e justifica por si própria, tem sucesso ou fracassa da forma como ela é, e somente se conecta com aquilo que veio antes ou depois a partir de uma perspectiva "externa". Em uma retrospectiva, quadros (digamos, de Picasso), mesmo quando expostos de sala em sala em ordem cronológica, "utilmente" enriquecidos por textos biográficos na parede, continuam, apesar de tudo, "cada um, um". Qual a razão de se olhar para eles através de um olhar genérico, alheio ao pintor – e aos quadros?


 

Esta abordagem, digamos assim, imagística pode também ser aplicada ao estilo de ataque de Giegerich. Imagine-o usando uma faca como paleta, lixas, pinceis duros e pinceladas pretas, espessas e pesadas, p,ara cimentar diferenças, para quebrar convenções. Pense nos começos de Stravinsky, Shostakovich. A agressividade pode ser uma necessidade retórica; de forma que suas devastações de Freud e Jung, ou de mim, não devem ser tomadas literalmente como desagradáveis ou ruins a nível pessoal.


 

Eu realmente penso que Giegerich possui uma percepção apurada da história, e que ele percebe o passado como algo que pode ser, ou que já foi, por assim dizer, vencido, ou pelo menos, superado (aufgehoben). Penso que ele dá passos cronológicos, não somente passos lógicos, – apesar de que ele parece parar em Hegel. O meu trabalho, bem como o de Jung para Wolfgang, pode ser denominado de pré-Hegeliano, mais do que simplesmente não-Hegeliano. Portanto, a posição de Wolfgang, quando afirma que Jung parou no tempo e que eu sou um nostálgico e um escapista do presente momento histórico real, é justificada e pertinente. Vejo uma confluência de lógica e temporalidade em minha compreensão de seu pensamento.


 

Teria ele uma tendência a literalizar o tempo e a história? Minha tendência é imaginar o passado mais como aquilo que Agostinho chamava de memória – a saber, imaginação deitada no tempo passado. "O passado", dizia William Faulkner, "não está morto. Não é nem mesmo passado". Vou ao passado para sementes e ganchos. Retiro dele o que preciso, ignorando geralmente sua "história". Desta forma, sou tanto um classicista quanto um romântico. Tenho menos certeza, creio eu, do que Giegerich quanto a um movimento dialético em frente no pensamento humano.


 

Sabe, Wolfgang considera os mitos clássicos obsoletos. Não estaria ele aqui pensando a) temporalmente, b) literalmente, c) positivisticamente? Os mitos não são obsoletos para as artes, que ainda bebem em sua fonte e nas quais eles ainda aparecem. A própria categoria de "obsoleto" baseia-se em um literalismo temporal. A fuga do determinismo temporal é um dos anseios de muitos de meus escritores favoritos – incluindo Jung e seu trabalho sobre sincronicidade. Para Plotino, é o tempo que está na alma (é um fenômeno psicológico) muito mais do que a alma no tempo.


 

Marcus, por que olhar para o meu trabalho em estágios? Lembra da observação de Picasso? "Eu não me desenvolvo, eu sou". O tempo não muda as figuras e os padrões básicos de um tapete, os temas dominantes que recorrem e nos perseguem vida afora.


 

Por exemplo: o meu lidar com o Dionisíaco já está presente, apesar de não nomeado, em meu livro de 1960, Emotion; bem como na sublime e terrificante atração pelo Mundo Subterrâneo em "Suicide and the Soul (1964) (Suicídio e Alma"); em Dream and the Underworld (Dioniso, Hades, Plutão); nas Conferências de Eranos (1969) onde ele é o movimento conclusivo final; e, é claro, em A Terrible Love for War.

Outro exemplo: minha devoção à anima aparece tanto no livro chamado Anima, em "Betrayal" ("Traição"), nos ensaios sobre prata e mercúrio, (Obs.: apesar de Hillman usar só a palavra "silver", lembro que "quicksilver" é o mercúrio...Deixo a seu critério...), no capítulo sobre anima em Insearch (1967) ("Busca Interior em Psicologia e Religão) e nas conferências mais recentes sobre Afrodite. Estes temas são constantes saturnais, visitados e revisitados em momentos diferentes, para ocasiões diferentes. Eles não progridem. Nenhum deles foi resolvido. Qual a finalidade de tentar organizar suas leituras seguindo a flecha estreita do tempo? O que me faz lembrar a predileção de Wolfgang por esta metáfora (o Wurf, o impulso para a frente da ponta da lança).

Cuidado ao embrulhar uma variedade de produtos em uma única embalagem. É preciso ter claras as categorias usadas para embrulhar. Não use papel jornal. David Tacey e Andrew Samuels, por exemplo, me embrulham numa simplificação jornalística. Mas, às vezes, a coisa embrulhada resiste em ficar dentro da caixa, especialmente se conserva certa energia animal inata que esperneia e se debate, não querendo ser embrulhada em hipótese alguma.


 

Bem, agora, para onde nossas divergências nos conduzem? Sem dúvida, como você aponta, confesso ser movido e inspirado por uma energia qualitativamente marciana. Mas então, querendo ou não, isto forçosamente envolve Venus – e com Venus vem todo um estilo de jogos de sedução e artimanhas, de que Giegerich corretamente me acusa, em meus textos e na psicologia arquetípica. Sim, Ginette Paris também apontou isto há algum tempo, o meu trabalho apóia, representa e é insuflado de paixão por anima, da mesma forma que o trabalho de Wolfgang deriva – deliberadamente, brilhantemente, radicalmente e exaustivamente de e com animus.


 

Provavelmente, Wolfgang e eu temos uma relação divergente com o velho Saturno. Eu tento render-lhe homenagem explorando exaustivamente não somente "o senex", mas principalmente tentando evitar que ele devore meus pensamentos mais profundos até que só reste deles negatividade. Ás vezes, eu tenho a impressão que Wolfgang tornou-se um devoto de Saturno. Quando leio seus ensaios, sua visão saturnal do mundo contemporâneo, a ênfase no tempo, na ordem sintáxica, na negação, e as imagens de faca, bomba, e Actaeon saqueado, ou a própria idéia de sublação, parece haver uma obliteração, um absolutismo, uma hegemonia devoradora, que engole tudo. Manter-me em meu próprio caminho e longe do dele, também é contra-fobico de minha parte. Não quero meu trabalho engolido na resolução universal da lógica Hegeliana. Anima deve permanecer parcialmente "inalcançável".


 

Assim, eu lhe pergunto, o que invalida a sedução como método psicológico? Até os Sofistas e seu sofismo desenvolveram uma psicologia e eles eram mestres esmerados. O que há de errado em erodir categorias com a finalidade de despertar a ambigüidade do intelecto? O que há de errado com uma retórica velada, com o oferecer a promessa de uma nudez clara, distinta e conclusiva, à qual, de fato, nunca se chega; o que há de errado com floreados, excessos, rasgos de emoção, o que há de errado em desaparecer (como Dioniso) quando sofremos um ataque? (Penso que Walter Otto conta muitas estórias sobre o desaparecimento de Dioniso ao sofrer uma ameaça, inclusive indo até as Musas(!) e desaparecendo nas profundezas do mar.


 

Ao longo destes últimos dez, ou mais, anos, tenho sido frequentemente impelido a responder para Wolfgang. Ele é um amigo de longa data, e tenho falhado em honrar esta amizade com uma resposta séria a seus esforços extraordinários. Havia dois obstáculos. Em primeiro lugar, me parecia que – para fazer-lhe justiça – teria que me envolver em um esforço grande demais: dominar argumentos, reler seus textos mais antigos e manter-me atualizado sobre os mais recentes, explicar minhas palavras e intenções. No fundo, eu sei que este tipo de resposta não se faz necessária, visto que ele compreendeu claramente aquilo que escrevi. Não precisa defesa ulterior. Qualquer que fosse minha resposta, isto nos deixaria exatamente onde estamos: amigos que divergem.


 


 

Em segundo lugar, confesso meu sentimento de que uma resposta representaria uma distração do fluxo contínuo de coisas que eu queria iniciar ou completar.


 

Talvez, Marcus, você precisaria saber que eu nunca respondo para comentaristas, nem argumento com críticos, apesar de tentar digerir suas críticas. Posto eu ser tão arraigadamente um "homem de Marte", uma resposta significaria ou uma defesa ou um contra-ataque, e eu prefiro evitar os desafios a um combate. Prefiro imaginar.


 

Responder significa instalar oposição – tal como o seminário que você está propondo, para o qual envio esta carta. Entretanto, oposições – a menos que você as imagine de forma literal como tais, também podem ser imaginadas como caminhos divergentes. Seguimos por caminhos paralelos e nos envolvemos com a geografia dos locais pelos quais passamos, de formas diferentes. Você sabe, tenho me debruçado sobre o "oposicionalismo" em muitos de meus textos, achando-o extremamente tóxico no pensamento sistemático de Jung. Wolfgang também tem trabalhado o assunto, debruçando-se sobre e através do oposicionalismo da herança Cartesiano-Kantiana, com a idéia de sublação e da dialética Hegeliana. Não há argumentação aqui. Além do mais, argumentar é uma modalidade de animus que, como Wolfgang deixou muito claro, não é a minha modalidade. Vamos concluir com um sorriso.


 

James Hillman

Thompson, CT 2008


 


 


 


 


 


 


 


 

 

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

DESENHOS ANIMADOS E ESTORIAS INFANTIS: Sua importância na educação de crianças.


 


 

Um pequeno paciente me disse um dia que ao ver desenhos animados sua cabeça brincava e coisas aconteciam ,mesmo as proibidas .Achei curiosa a forma desta criança me comunicar uma idéia há muito conhecida dos psicoterapeutas de crianças ou seja a de que através das imagens dos desenhos animados podemos experimentar muitas coisas ,sob uma situação controlada , a sala de TV. Os desenhos assim como os contos de fadas trazem á cena temas universais importantes para estruturar a psique infantil e é por esta razão que elas adoram vê-los ou escutá-las com freqüência e riqueza de detalhes.

Os primeiros registros de temas infantis contados datam a mais de vinte cinco mil anos e permanecem ainda hoje inalterados . No século XVlll surge então um interesse cientifico em estudar as razões pelas quais a mente humana cria estórias fabulosas e as transmite de geração em geração.Milhares de contos em suas variadas versões giram em torno de assuntos de significado simbólico profundo que servirão de base para o desenvolvimento da criança humana. A capacidade de fantasiar e de usar a imaginação é um atributo e uma conquista do desenvolvimento.

Ver desenhos pede mais desenhos e assim uma estória puxando outra, as crianças como que pressentem a importância das imagens para os desafios que certamente viverão. Então tem sempre o inimigo, o escuro ,a noite , o dragão e o herói, a ameaça , a força ou sua falta , a espera , a incubação , o enigma , as charadas , a morte ,a vitoria , o anjo salvador e outros. Desenhos que abordem estas questões fortalecem o ego infantil ,fornecem exemplos de respostas ás situações ,oferecem saídas aos impasses , sugerem gestos que os pequenos imitam não somente em termos físicos mas em seu sentido intrínseco. Sua repetição colabora na elaboração de um significado e é preciso que tenhamos paciência e estejamos á disposição deste amadurecer.

Podemos ajudar uma criança com medo do escuro a entender o que se passa com ela na ausência de luz usando estórias ou desenhos animados ,tornando o estranho familiar e assim retirando dele seu poder assustador. Aceza a luz da compreensão o monstro se desmaterializa.

Aliás esta é uma atitude que não desaparece em nós , o temor ou a surpresa diante do estranho , a necessidade de sermos apresentados aos nossos novos elementos e aceitá-los em nossa comunidade psicológica.

Em consultório sou muito perguntada pelo pais sobre como ajudarem seus filhos na resolução de dificuldades freqüentes na infância tais como o medo do escuro , das perdas , das separações , das inferioridades físicas , um novo irmão , a morte etc... Sugiro com freqüência filmes ,desenhos animados e livros de estorias ,encontrados hoje fácilmente. Há series divididas por faixa etária ou por temas , muito bons.

Sugiro também que apresentem ás crianças produções de outras culturas a exemplo do belíssimo KIRIKU E A FEITICEIRA , uma co-produção franco-belga(DVD), elogiado por adultos e crianças . Nascido numa aldeia do Senegal , Kiriku era zombado por todos por ser pequeno. Desde o seu nascimento o menino demonstra grande coragem e esperteza que o levam a querer saber os porquês das relações entre as coisas , inclusive a dominação da bruxa Karabá.

Do encontro com um sábio(sempre tem um!) Kirikú conhece a ferida de Karabá , liberta-a do sofrimento e cresce. Antes de se casarem e serem felizes para sempre devem juntos realizar uma tarefa importante : desfazer o preconceito quanto ao pequeno enxerido e a bruxa malvada . Vale a pena assisti-lo pelo conteúdo e pela bela trilha sonora , além é claro de aproveitarem a oportunidade para conversar com as crianças sobre o que a estória conta.

Nossas MENINAS SUPERPODEROSAS ,POKENMONS , SHREK e até mesmo as estórias do PATETA estão plenas de mensagens curiosas ,divertidas e muito verdadeiras que interessam muito ás nossas crianças.Quantos de nós não se encontra num episodio genial de Pateta ,um pacato cidadão cortês com os vizinhos , protetor das crianças e dos velhinhos , que se transforma num monstro assassino ao tirar seu carro da garagem e ganhar as ruas de Patópolis a vociferar e transgredir normas de convívio ? Tragicômico e antológica produção Disney, sempre muito atual .

Mesmo quando a preocupação é com o conteúdo agressivo de alguns desenhos sugiro aos pais que observem como a crianças é tocada por este temas . Se fica perturbada ou se entra na briga ,na luta ,torna-se um pouco o personagem para logo depois abandonar a estória e tranquilamente ir brincar de outra coisa. Aqui não há por que generalizar e sim observar caso a caso , levando em conta a faixa etária.

Crianças são tocadas por imagens e nós adultos certamente aprenderíamos muito sobre nossa alma se pudéssemos nos entregar como elas ao mundo da imaginação suscitado pelos desenhos animados.


 

Denise Mondejar Molino.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Sanidade e Loucura


 


 

O conceito de sanidade é pouco pesquisado.Há tratados sobre a loucura ;há grandes personagens loucos como o rei Lear em Shakespeare mas personagens sãos não obtem destaque , nem aparecem em poemas ,títulos de obras ou até mesmo em piadas .Nossa cultura teme a loucura e nutre por ela um surdo fascínio , colocando-a como prerrogativa dos artistas em sua exuberante criatividade.

Louco Para Ser Normal é o novo livro do psicanalista inglês Adam Phillips , editado pela Zahar , autor do excelente Beijo,Cócegas e Tédio , que de forma clara e original nos mostra quão delicado é o equilíbrio entre sanidade e loucura e da necessidade de definições mais adequadas á modernidade. Trabalhando com conceitos históricos e literários , busca na psiquiatria de R. Laing , Melanie Klein e D. Winnicott e na biologia de R. Dawkins , alguns parâmetros e comparações para depois adentrar na ficção de Shakespeare e Geoge Orwell.

Phillips aproxima a loucura do nosso cotidiano através do exame da vida inicial dos bebês , da crise da adolescência , nas caracteristicas do desejo sexual , e na relação com o dinheiro , apresentando notas sobre a definição de sanidade . Através de três diagnósticos psiquiátricos ,o encapsulamento no autismo infantil , a esquizofrenia e a questão da vitalidade e da auto-estima na depressão faz paralelos e comparações entre os dois conceitos. Podemos então refletir sobre a loucura como confusão , agressividade ou frustração demais , como desenvolvimento defeituoso , como espera insuportável e como falta de esperança. A sanidade , podemos pensá-la como violação de tabus , como consciência tolerável de nossos limites , como vitalidade preservada , como fé e até como sorte por ter nascido com quantidades certas de emoções para não odiar o desejo nem nosso corpo ,nem o querer .

No capitulo sobre o dinheiro passeia pelos estragos produzidos pela cultura ao estabelecer como amá-lo e como este amor nos leva para longe dos valores que prezamos .

Ao final propõe a sanidade como capacidade de suportar as tensões das experiências , nas diferentes escolhas que fazemos , no reconhecimento da s implicações éticas dos atos , na consideração dos efeitos devastadores da humilhação e sobre a importância da esperança.

Com arte ,profundidade e graça A.Phillips surpreende pelas provocações que faz ao nosso pensar, áquilo que tomamos como certo em nosso saber . A surpresa e o inédito , fonte de tantas ameaças ás posições cristalizadas encontra neste novo volume um grande aliado.


 

Denise M. Molino .


 


 

Psicoterapia: Surpresa e liberdade de ser.

Ao longo de quase trinta anos de carreira acompanho pessoas a reconstruir suas vidas,a se sentirem mais á vontade com seu cotidiano cheio de desafios e frustrações.Todos,inclusive os terapeutas,passam por momentos de duvida,apreensão ,solidão e medo,portanto,somos todos parceiros de uma caminhada,cada qual com sua peculiaridade ,que se assenta num pano de fundo comum ,a pulsação da vida.

Terapeutas experientes sabem que não somente os conhecimentos teóricos fornecem o substrato necessário para se lidar com as questões humanas que são o cotidiano nos consultório de psicoterapia.A pessoa do psicoterapeuta ,suas escolhas e crenças,seus amigos,seus amores,obrigações,sua fé,aliados á sua formação o preparam para o desafio de estabelecer com seu paciente uma relação suficientemente dinâmica,espontânea e de consideração incondicional . Há tanto o que se cuidar num relacionamento terapêutico,tantos fluxos não previstos que não há como padronizar ou empacotar a psicoterapia em formulas fixas na tentativa de tornar o processo mais controlado e previsível.Isto não é possível ;não há sequencia prescrita ou "exercício"definidos a cada semana se desejamos que a psique nos fale a seu modo e se respeitamos o ritmo de cada paciente que temos a frente.

Nesse sentido a psicoterapia foge ás tentativas de limitar cronologicamente sua duração,esse tempo que é linear e que tem pouco ou nada a ver com tempo psíquico ou com os limites e regras do seguro-saúde.Nossa mente escapa ,nos prega peças,surpreende médicos e analistas.

Um de meus mestres ,Jung dizia da importância a ser dada a singularidade do mundo interno das pessoas,sugerindo que o terapeuta deveria se empenhar em criar seu próprio método,adaptando-o a cada paciente.Propunha ainda que a personalidade do psicoterapeuta e a relação estabelecida com seus clientes era o fator determinante de cura e transformação.Outro mestre querido,Dr. Petho Sandor,quando orientava observação cuidadosa dos ritmos corporais lembrava que a remoção dos obstaculos ,as tensões musculares,respiratórias e de postura permitiriam a reorganização necessária ao paciente ,sempre que regado a muita atenção e interesse aos detalhes das conversas nas sessões.Dar atenção e ensinar a te-la com os aspectos de nossa vida pessoal costuma trazer muito conforto e é peça chave do trabalho pois particulariza cada encontro.Esta idéia está na base dos projetos de humanização do atendimento clinico em hospitais e outras instituições .

Ao longo de uma terapia ocorrem grandes e pequenas respostas ás questões que espontaneamete o paciente faz ao terapeuta .Um novato pode ficar preocupado em como responder á isso ,de deve ou não fazê-lo;a técnica e seus mandamentos vem á baila como referencia e apoio.Mas é preciso ir além e confiar no gesto natural e isto só se faz com a experiência,com vida vivida,gostando de estar com gente,aberto ao sofrimento. O processo psicoterápico é tão artesanal que para alguns uma pequena correção nas atitudes basta,para outros é necessário uma profunda retrospecção e ver o quê do passado ainda não passou.


 


 

Questões desvendadas aqui e agora ajudam a dar significado a toda uma historia pregressa.

Vejam ,por exemplo,o crescimento dos casos de depressão e pânico nos consultório.Temos como entorno uma sociedade atual mimada,espetacular,condenada á felicidade sem fim,superabastecida até o estupor.No entanto os indivíduos estão tristes,angustiados e deprimidos e mais do que consolo precisam ter sua dor reconhecida ,de preferência na companhia de um terapeuta interessado e paciente que possa ajudar a suportar as tensões da existência. Isto não se faz com programas breves. Mesmo a vasta e preciosa medicação psiquiátrica pede do médico consideração criteriosa e individualizada de modo a minorar o desconforto e ainda assim permitir que o processo de descoberta de si mesmo possa ocorrer.

Caminhamos no sentido da individualização,da especificidade e da subjetivação.Padronização serve ás leis gerais mas a vida nossa de cada dia pula fora da caixa e nos surpreende.


 


 

Denise M.Molino é psicoterapeuta junguiana e coordenadora de grupos de estudos e supervisão.Atende em seus consultórios em S. Paulo e Jundiaí.

e-mail: dmmolino@hotmail.com


 

SER TERAPEUTA


 

Ser terapeuta é entregar-se á escuta e o acolhimento das necessidades,das dores e ao crescimento humanos.Quando somos muito jovens e inexperientes, queremos curar tudo e muito rápido.Depois ,mais maduros percebemos mais claramente os limites de nossa atuação e os dos pacientes.Há prazer pela evolução das pessoas e também pelo efeito multiplicador que isto causa ,ou seja:quando alguém se organiza melhor e suporta as tensões do viver,os outros ao seu redor também recebem essa influencia saudável.

A auto-observação e a formação são continuas e árduas porém sem examinar a si mesmo é impossível auxiliar alguém a se conhecer em profundidade.Isto quer dizer procurar o próprio desenvolvimento ao longo da vida ,que precisa ser vivida para além dos conhecimentos teóricos.Tanto Sigmund Freud quanto Carl Jung,contemporâneos aliás,eram defensores fervorosos da análise pessoal de quem se aventurasse a desvendar a alma humana.Alertavam para a virulência ao qual o psicoterapeuta está exposto em seu trabalho cotidiano com o inconsciente.

Terapeutas guardam segredos e preservam a sensibilidade,compartilhando experiências nunca antes reveladas.Privilégio nosso, pois somos estimulados por esses segredos,capazes de despertar impulsos muitas vezes relegados a um segundo plano em nossas vidas. Terapeutas oferecem um lugar físico e também um lugar psíquico onde pessoas possam morar enquanto as transformações não chegam.

È possível experimentar uma grande satisfação ao vermos alguém abrir suas janelas internas,descobrindo novas possibilidades assim como suportar com pacientes o fardo de suas angustias,duvidas e energia estagnada.Cada paciente é um desafio,uma oportunidade e se a terapia funciona ,ambos ,paciente e terapeuta, crescem.

Além de uma vida pessoal rica em relações ,a formação de um terapeuta é realizada nos bancos acadêmicos ou ,mais informalmente ,porém sem perda da profundidade nas supervisões e grupos e estudos onde também aprendemos a ouvir nosso colegas,sua visão particular e original ,fonte de todo e qualquer respeito pelas diferenças.

Em Jundiaí temos escolas de Psicologia competentes mas ainda temos um trajeto a ser percorrido no sentido de oferecer ás pessoas que aspiram por esta profissão o leque amplo de possibilidades teórico-praticas existente.O desejo de ser um psicoterapeuta corresponde a necessidades muito profundas de conexão e expressividade cuja função e finalidade requerem um concencioso e libertário encaminhamento.


 


 

    

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Sites Importantes

Para aqueles que se interessam por Mitologia visitem o site www.jcf.org , um espaço riquissimo com muitas referencias sobre o trabalho de Joseph Campbell . Da mesma forma ,www.sandplay.org brinda o leitor com informações preciosas sobre a técnica psicoterápica desenvolvida na caixa de areia por Dora Kalf.
Boas leituras !